A sensação de não ser inteligente, e sim um “burro”; dizer ou fazer algo que promova desgastes e perdas desnecessárias, como uma total burrice, ignorância ou inocência; levar indevidamente os outros no lombo, como uma sobrecarga, ou literalmente um “burro de carga” – muito bem representado pela escultura do Kit 02 “Argila: Espelho da Auto-Expressão”: essas são metáforas perfeitas para designar ou informar sobre alguns aspectos do nosso existir.
Tais aspectos podem esconder reais desejos, em que o sujeito pode usar da desqualificação como forma de não aparecer. Ou melhor: aparecer pelo não saber e pela desvalorização. Pode dizer isso de sujeitos que temem a crítica alheia ou que são altamente perfeccionistas, em que qualquer falha ou se as coisas não saem como imaginam sofrem e, por isso, usam da defesa de viver no anonimato do saber. Vivem a existência da menos-valia, da anulação do real existir, do real EU ser.
Dessa forma, ao se desqualificarem, a falha será aceita e menos sofrida, “pois são burros mesmo” e só reafirmam o que concebem e sabem de si próprios. Portanto, a “burrice”, das mais variadas formas, faz parte do autoconhecimento de sujeitos não pensantes e não conhecedores.
Outra maneira de vislumbrar a metáfora é o carregar algo ou alguém indevidamente numa tentativa de ser amado ou aceito pelo outro – bem representada pela escultura do burro de carga sobrecarregado. Esforço este que é em vão, pois o relacionamento que se organiza desta forma não é uma relação verdadeira e incondicional, e sim uma relação afetiva pelo uso e que se formaliza sob tais condições.
Lembrando que a sobrecarga só existe pela própria permissão do que está no lugar de “burro de carga”, que evita se posicionar e colocar os devidos limites para não perder o afeto do outro. Dessa forma, se torna conivente com a situação, permitindo as condições de levar a sobrecarga, deixando que o outro o sobrecarregue. É tão responsável pela situação de sofrimento quanto aquele que não o respeita. Lembrando que dá complementaridade relacional: se tem alguém de quatro carregando cestos, terá alguém para subir na garupa ou depositar suas necessidades nos cestos ali oferecidos.
Às vezes, continuar a carregar o fardo alheio pode ser também uma forma de não assumir o próprio fardo, e assim se isentar de qualquer responsabilidade como uma maneira de autoproteção e defesa.
Outro aspecto deste movimento de carregar disfuncional pode denotar uma forma de controle sobre os outros, mantendo os mesmos na dependência pela atitude de serviçal, bondoso e condescendente.
A escultura metafórica do burro de carga na representação de carregar excessiva e abusivamente algo em nome da necessidade e desejo dos outros, para dele ter algo afetivo em troca, muito se assemelha à representação da escultura metafórica do Kit 02 “Argila: Espelho da Auto-Expressão” do “Sou tão você que sinto falta de mim mesmo”, o qual muito bem vislumbra a questão da não diferenciação, ou seja, o fazer pelo outro e esquecendo-se de si próprio, de sua individualidade, para passar a existir no outro e pelo outro.
Os movimentos e a ação de suportar uma enorme carga podem representar também uma autopunição por algo que realizou e, segundo seus conceitos morais e éticos, gerar um sentimento de culpa, ou seja, existir por si pode ser visto como algo não correto e assim alivia-se pelo “chicotinho” da sobrecarga, da obediência e da serventia cega.
Designa também fortes sentimentos de inferioridade que são alimentados, reforçados e fortalecidos na medida em que se mantém na posição de “burro”. Reforça um existir de grande “burrice” à primeira vista, porém de grande sofrimento e de cuja situação não vê saída, como também não se sente com forças para reagir ou mudar. A manutenção nesta posição pode vir do medo da crítica alheia, como dito anteriormente. Porém, o maior crítico é o próprio sujeito, que na necessidade de perfeccionismo e não se permitindo errar, retoma o ciclo vicioso que ali vai se perpetuando, e cada vez mais deixando de ser ele mesmo para viver o outro, como representado pelas esculturas do “Sou tão você” e do “burro de carga”.
Conforme o sujeito não enfrenta as situações de forma consciente e adulta, fica sendo, metaforicamente pela imagem que aqui o representa, apenas um “animal”, sem escolha e sem livre arbítrio do que deseja para sua existência. Portanto, concretiza a condição de ser um “burro”, reforçando seus sentimentos de menos-valia e potencializando a reduzida autoestima.
O sair desta condição o levará a viver de forma mais leve, espontânea e criativa. Será a possibilidade de olhar a vida sobre outros ângulos, na imagem do burro de carga representada em pé, não mais com a cabeça de burro, e com as mãos posicionadas para dar os devidos limites ou escolhendo o que deseja carregar para sua vida e fazendo suas escolhas. Pode até escolher carregar algo dos outros de forma diferente do que realizou até hoje, mas por opção e sem nada esperar na relação com o outro, deixando o padrão antigo e viciado afetivamente para um padrão novo, saudável.
Outro aspecto aqui levantado é sobre a condição de nada saber, a sensação de “ser burro” – lembrando que não existe a perspectiva de ninguém nada saber, e sim cada um tem o seu saber, da sua individualidade e por diferentes experiências, podendo também ser representada pela escultura metafórica do “Sou tão você” separado, ou seja, diferenciado, e cada qual com seu próprio saber e o respeito às diferenças.
Assim, a forma de organizar saudavelmente esta situação é reconhecer que tem um saber, só que diferente do outro. Portanto, não tem como ter o conhecimento igual ao do outro. Estaremos assim trabalhando a diferenciação e a possibilidade de se autoaceitar da forma como somos, seres únicos pelas diferentes vivências e experiências que cada um teve em seu existir, partindo e formalizando para um viver mais pleno, feliz e maravilhoso.
Portanto, continuar se inferiorizando e carregando fardos indevidos da desqualificação como a escultura do “burro de carga” é uma grande “burrice”. Porém, a partir da minha consciência, posso fazer a escolha de carregar e pagar o devido preço, o que já seria de uma grande maturidade e empoderamento do meu saber. Feliz escolha!