Argila: a essência da terra (parte 1)

As argilas são minerais que formam o solo e dão suporte ao crescimento das plantas, que, por sua vez, servem de alimento aos seres vivos. As argilas acumulam-se em baixadas ou fundos de vales, formando jazidas de depósitos naturais.

Por tais atributos, a argila recebe, segundo o químico e professor Aécio Chagas, a denominação de “a essência da terra”. E é o próprio Chagas quem nos diz que “a utilização da argila pelo homem para construção de objetos é uma de suas mais antigas manifestações, seja como ‘barro moldado seco ao sol’, seja como ‘barro cozido ao fogo’”.

No caso de a sua utilização ser feita em estado bruto, ou seja, logo após a sua extração, a argila pode ser usada de maneira artesanal na confecção de objetos cerâmicos ou na fabricação de tijolos. Outras vezes, passa por um processo de tratamento para poder ser utilizada. É usada também na fabricação de produtos como cerâmicas e porcelanas, além de ter importante uso industrial, estendendo-se à construção de abrigos, casas e edifícios. É utilizada, portanto, para fazer desde simples objetos até obras de arte.

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A argila é um produto de baixo custo, encontrado no comércio como “argila para modelagem”, e apresenta as seguintes propriedades: grande plasticidade (facilidade de ser moldável); flexibilidade; maleabilidade; maciez; e grande afinidade com a água, aderindo facilmente a superfícies como a nossa pele, sendo altamente pegajosa e viscosa.

O sujeito ao manusear a argila pode modelar uma peça, dando-lhe a forma de uma escultura, que pode seguir a informação realista (extraída do meio ambiente) ou, por formas menos naturais, chegar até a abstração absoluta. No entanto, ela existe segundo um espaço.

Peça abstrata

O homem é um criador de imagens e nunca deixará de sê-lo. Sendo assim, todo sujeito tem um potencial de criação que se intensifica ao envolver-se com a argila. É como diz o professor de psicologia Alvaro de Pinheiro Gouvêa: “No barro o homem cria e é criado. Vivencia a si mesmo como criatura e criador”. No trabalho terapêutico, vivenciar e criar com a argila pode propiciar a experiência dos sentidos táctil e sinestésico, ampliação da percepção, descarga das emoções e, como técnica lúdica, a expressão simbólica de conteúdos.

Quanto à escultura, sabe-se que o ser humano, para contatar com o ambiente, desenvolve seus sentidos (olfato, audição, paladar, tato e visão). Ao tocar na argila, o sentido que estará em maior evidência é o táctil. O sujeito terá uma sensação proveniente da “modificação que sobrevém na periferia do corpo, em consequência de excitações nos órgãos sensoriais, e que acarreta uma mudança de estado de consciência”, conforme define Jeanne Bernis em seu livro “A Imaginação: do Sensualismo Epicurista à Psicanálise”. Tal fato será verificável pela reação motora das mãos que tocam o material, já que o manuseio da argila lembra as primeiras experiências do processo de aprendizagem pelo qual passa uma criança. A consciência táctil, mesmo antes de a visão estar desenvolvida, já existe em maior atuação. Daí a importância do toque e do criar. Uma forma superior ao modo visual e ao táctil, segundo a professora Donis Dondis, seria a linguagem verbal.

Manuseio da Argila

Estímulo

Outro sentido a ser levado em consideração nesta experiência é o sinestésico, que “é a capacidade de perceber um estímulo em várias modalidades ou sentidos”, segundo o psicólogo Howard Gardner. Esse sentido, muito vivo na idade infantil, atrofia-se com o passar do tempo. Porém, em certas condições experimentais, pode ser reavivado e mantém-se no sujeito que se dedica aos recursos artísticos. Sentir a argila de forma sinestésica “é uma experiência que nos remete a um tempo muito antigo, a um contato primordial”, ensina a psicopedagoga Cristina Dias Allessandrini, e que propicia ao sujeito um encontro com sua verdade.

É pelos dados sensoriais fornecidos por estes três sentidos – a visão, o tato e as sensações sinestésicas – que a sensação, o espaço, a proximidade, a distância, a relação dos objetos em relação uns aos outros estão estabelecidos, conforme descreve Jeanne Bernis.

Para complementar, Alvaro Gouvêa, ao relatar sua experiência, fala que “sempre e sempre volto a me impressionar com o excepcional poder da argila. É como se o sentido do tato e o movimento dos músculos com e contra o movimento resistente, porém flexível, da argila, proporcionassem um acesso, uma abertura para os lugares mais profundos”. Anton Ehrenzweig, por sua vez, observa que nos processos criativos “as percepções inconscientes se comunicam com a mão automática do artista”, sendo o trabalho direcionado segundo seu modelo interno.

Sentido do tato e movimento dos músculos