O uso da argila no processo psicoterápico como descarga de emoções pode levar o paciente a ter prazer pelo ato em si, como também a sensação de possuir o controle de tais sentimentos através de suas mãos, ampliando a percepção e, consequentemente, adquirindo maior integridade e autoconhecimento. É sua essência profunda que pode ser despertada, permitindo a comunicação dos conteúdos inconscientes com o consciente do sujeito, expressando conflitos e sentimentos.
Essa atividade, por promover a liberação de tensões, proporciona prazer e relaxamento, uma vez que o sujeito constrói algo para sua própria satisfação, expressando a sua verdade. Ele ali se desdobra, se repete e se representa.
Como técnica lúdica, a argila objetiva no trabalho terapêutico a expressão simbólica de conteúdos. Existem várias técnicas com o mesmo objetivo, entre elas: plastilina, desenho, brinquedo, jogo, ícones e Sandplay. Apesar do objetivo comum, diferenciam-se pelos seguintes aspectos: são constituídas de materiais industrializados; algumas não são da criação pessoal do sujeito; e fazem uso de apenas uma dimensão.
O uso da argila pelas suas propriedades revela algumas vantagens em relação às técnicas citadas e quanto aos dados projetivos e associativos da dinâmica dos autores. É um material primitivo, natural, energético, concreto, proporcionando imagens individuais, ímpares e tridimensionais que se aproximam mais facilmente do princípio de realidade. Possibilita ao sujeito fazer, desfazer, bater, socar e retalhar, ou seja, manuseá-la como desejar e em conjunto com outros materiais, enquanto ainda estiver em seu estado original. A maior dificuldade é imaginar o bloco de argila desde a forma geral até uma informação visual mais específica. Porém, ao manuseá-la e ocorrer o relaxamento, a imaginação é ativada e os conteúdos não passam pela prova de realidade, ou seja, são projetados no material sem a constatação do real.
No entanto, as imagens esculpidas após algum tempo secam, não mais podendo ser modificadas ou magicamente transformadas, tendo o paciente que se haver com dados de realidade e com a frustração resultante de sua produção. Assim, a escultura serve de marcador para este momento do trabalho psicoterápico, podendo ser comparada futuramente com as próximas modelagens que ele vier a confeccionar e que sofrerão uma mudança condizente com o próprio processo a que está submetido.
A pintura
Após a secagem, realiza-se a pintura das modelagens, etapa rica em dados, pois exprime do padrão de funcionamento do paciente, desde a forma como ele a executa até a escolha das cores e seus significados. Como exemplo, cita-se o caso do paciente que desejava pintar sua escultura com determinada tonalidade, mas, para consegui-la, teria de misturar as tintas que estavam à sua disposição. Como não realizou tal procedimento, optando pelo caminho menos trabalhoso, pintou-a com uma cor preexistente próxima da desejada. No transcorrer das sessões, fazia críticas por sua escultura não apresentar a cor desejada. Com isso, pode-se entender que ele estava repetindo seu padrão de funcionamento: deseja as coisas, mas não despende a energia necessária para consegui-las, permanecendo sempre com a queixa de sentir-se insatisfeito.
Todos esses procedimentos ficam suscetíveis ao princípio de realidade, em que o sujeito terá de se haver com a frustração, e administrar seus conteúdos caso as peças não fiquem como foi desejado e/ou sofram possíveis quebras.
Nas esculturas em argila, estão presentes as três dimensões, revelando maior riqueza de detalhes, permitindo um contado de maior dimensionalidade com o mundo real que ali é representado. Isso não ocorre com o desenho, com a pintura ou com a fotografia, pois se mostram numa superfície plana e bidimensional. Ao desenhar um jogador de futebol fazendo um gol, por exemplo, o sujeito idealiza a cena e a projeta no papel conforme o que almejou que ocorresse. No entanto, na modelagem em argila, por ela ocorrer num plano tridimensional, nem sempre aquilo que foi idealizado no desenho será concretizado na escultura.
Se o indivíduo estiver adequadamente estruturado, será mais fácil que seu desejo se realize nesse material. Caso contrário, projetará no barro suas dificuldades. Ou seja, o mesmo sujeito que realizou o desenho anteriormente citado, ao esculpir seu jogador em argila o fez com a bola grudada no pé e não na posição vertical, que era o que aparecia no desenho. Na modelagem em argila, o sujeito terá de se haver com dados de realidade. Isto é, se o sujeito está estruturado para realizar um ato de tamanha grandeza – marcar um gol, por exemplo – e se isso é possível, na realidade deseja que sua idealização se concretize. Neste caso, porém, o sujeito desejava ser campeão sem treinar em nenhum time, apenas refletia no desenho seu pensamento mágico e onipotente, mas na modelagem, além de seu jogador não se firmar na posição vertical, a bola estava grudada no pé, impossibilitando que o gol ocorresse, uma vez que a bola dessa forma jamais seria lançada.
É como define Donis Dondis: “As pontas de nossos dedos colocadas sobre a foto ou pintura não nos daria nenhuma informação sobre a configuração física do tema representado, mas a evolução da representação bidimensional de objetos tridimensionais nos condicionou a aceitar a ilusão de uma forma que, na verdade, é apenas sugerida. Na escultura, porém, a forma ali está; pode ser tocada, lida ou compreendida pelos cegos”.
Representações
As imagens não traduzem o movimento. Quem o fará é o autor da obra, que fica subtendido na tridimensionalidade da escultura. Daí a pergunta: qual é o papel que ocupa a imagem visual na nossa mente? Pela Psicanálise, a partir da experiência clínica, as imagens visuais possuem uma representação diferente das palavras na mente. “A imagem visual tem raízes mais profundas, ela é mais primitiva. O sonho traduz a palavra em imagens e, em estados de exaltação emotiva, a imagem impõe-se à mente na forma de alucinações. Essa é a razão porque a crença no poder da imagem é tão especialmente profunda”, explica o psicólogo Ernst Kris.
No trabalho com a argila, a imagem da palavra é traduzida em escultura. No ritual mágico, a forma mais generalizada é a da imagem mágica, a qual necessita identificar o modelo com a representação, sendo sua intensidade superior à fé no poder mágico da palavra.
Portanto, a imagem visual, enquanto modo de expressão artística, resiste muito mais tempo ao processo primário do que a palavra. Kris observa ainda que “enquanto a palavra se presta a deformações e brincadeiras sem produzir efeitos ulteriores, a imagem visual – sobretudo o retrato – é considerada como uma réplica perfeita do modelo retratado. Um deve preservar-se inviolado para que o outro não sofra as consequências. O amante que rasga a fotografia de sua paixão infiel, a multidão furiosa que queima um boneco de palha representando um chefe inimigo – todos dão testemunho da crença no poder mágico da imagem. Ela ocorre toda vez que o ego perde controle de suas funções”.
Na modelagem, tudo isso é possível de ser vivido. O sujeito faz o que deseja com seu pedaço de barro, significando a questão de o ego perder o controle por instantes, mas posteriormente acontece a catarse do ato executado e o retorno à realidade pela materialização da imagem em escultura. Pelo prisma tridimensional, existe a possibilidade de se observar vários ângulos, comunicar diferentes aspectos, emoções ou percepções, bem como as transições entre elas. Ao apresentar a dimensão e o volume total e real, o indivíduo necessitará pré-visualizar e planejar a escultura em tamanho natural, pois, conforme argumenta Dondis, a concepção e o planejamento são fundamentais para a compreensão do problema.
Modelos lúdicos
Na modelagem em argila, o sujeito cria seus próprios modelos lúdicos, com maior dinamismo, refletindo o seu desejo e sua criação, os quais com certeza refletem com maior fidedignidade os conteúdos internos do autor, sendo o objeto de sua projeção, do qual posteriormente irá falar. No caso do sujeito que desenhou e após modelou o jogador em argila, esculpindo-o de forma que não parasse em pé, tal fato revela com fidedignidade sua dinâmica. Porém, se tivesse que escolher entre os brinquedos industrializados, certamente optaria por um boneco jogador que parasse em pé, o que revelaria e concretizaria sua idealização. No entanto, aquele de sua autoria, esculpido em argila, revelou sua dificuldade em manter-se em pé para realizar o que idealiza mágica e onipotentemente. Na modelagem em argila, o sujeito fantasia muito e projeta seus conteúdos internos, contudo é permeado pelo princípio de realidade.
Deve-se ressaltar que no processo de utilização da argila até o produto final, ou seja, a escultura – e não importa sua estética –, a percepção que o paciente tem de poder realizar algo, nem que seja apenas arriscar-se a mexer na argila, o faz sair de seu quadro de estagnação. Afinal, como define Jean-Claude Filloux, o homem pode ignorar os verdadeiros motivos de suas ações, porém não poderá negar tal vivência e experiência.
O prazer experimentado ao realizar a modelagem é provocado pelo fato de permitir ser suscetível às suas qualidades, e principalmente por não ter finalidade estética, mas sim fazer brotar a arte do interior daquele que sofre. Pelas obras serem ímpares, únicas, e mesmo que o sujeito tente copiá-las ou refazê-las não o conseguirá, pois ao falar delas terá que falar de sua particularidade. Quando isso acontece, algo se processa internamente e ele deixa de ser o mesmo que era.
Enfim, no processo terapêutico, o sujeito necessita avançar diversas etapas de autoconhecimento e amadurecimento auxiliado pelas diferentes modelagens que vier a confeccionar. E a passagem de uma para a outra possibilita a reflexão e o encontro de soluções possíveis.